Você sempre foi uma pessoa ridiculamente normal, como todo mundo. Uns dilemas existenciais aqui, umas depressõezinhas ali, mas fatores talvez facilmente atribuíveis à adolescência. Mas você não ficou por aí. Você tinha que ir atrás de algo pra preencher o vazio, e como relações afetivas, que parecem ser as únicas coisas que importam na vida de um adolescente, nunca foram seu forte, você precisava sublimar isso através de algo.
Então vem a sede por conhecimento. Você tenta entrar de cara em Kant, absurdo! É lógico que querer ler a Crítica da Razão Pura sem ter lido ao menos uns 5 filósofos antes é praticamente impossível. Além do mais, o que você queria mesmo na época era um guia de vida, afinal você estava completamente perdido neste mundo, e já naquele tempo, mas sobretudo mais tarde, você ia perceber o quanto a filosofia o deixa mais perdido ainda.
Ser filósofo é ser angustiado. É ter sempre o mundo posto em questão a cada instante. Nada deve ser aceito passivamente, sem questionamento, pois o filósofo tem compromisso com a verdade. Sabe da impossibilidade de êxito de tal missão, que o mundo não pode oferecer um sentido próprio por si só, e mais, que a beleza de sua tarefa depende necessariamente da impossibilidade de se criar uma verdade absoluta.
Parece contraditório, mas a contradição é algo perfeitamente aceitável diante do absurdo da existência, da falta de sentido que nos obriga a dar sentido às coisas. Isto é que nos mantém em movimento, existencialmente a consciência jamais pode ser plenitude, senão se torna coisa, deixa de ser possibilidade, então jamais esgotará seu objeto. Em jargão psicanalítico, a falta é o que nos move. Somos sujeitos desejantes e se atingirmos a plenitude, o desejo que é a "energia" da nossa psiquê cessa, então viramos "coisa" do mesmo jeito, através da morte.
Os caminhos do pensamento são vários. Às vezes dizem a mesma coisa de forma tão diferente que realmente parecem coisas diferentes. Tudo depende do sentido que se atribui, e em última instância, diria que de crença. Vivemos um mundo de representações sociais para Durkheim ou Moscovici, linguísticas para a psicanálise, fenomênicas para Kant, fenomenais para Husserl, ônticas para Heidegger, enfim, fechando com Sartre, nós damos sentido ao nosso mundo, somos hermeneutas do nosso mundo. Quando escolhemos, escolhemos não só pra gente como pro mundo, ao qual damos sentido.
Quando se tem estas idéias minimamente clarificadas para a consciência, é inevitável o angustiar-se. Às vezes dá vontade de desistir de tudo. A cada dia surge um pensamento novo. E você já não sabe mais em quem acreditar. Isso é difícil. Você se sentirá impelido a buscar mais autores, mas em momentos de fraqueza você sente como se fosse uma tarefa em vão. Principalmente se você vive em uma sociedade de consumo onde a todo instante lhe impõem a necessidade de um bom salário e um carro do ano. Não é que o filósofo não deva consumir e ter seu carro, mas é que carregar o peso da existência autenticamente é tão difícil que o indivíduo pode sim se render ao conforto e/ou ao hedonismo pós-moderno, abandonando seu ofício enquanto ser-no-mundo.
Os receios aumentam quando nos damos conta de que a realidade se expandiu. A era virtual é uma realidade (com o perdão da repetição e da antítese). Agora são muito mais elementos que temos de perceber e compreender. Temos que permanecer trafegando entre esses mundos que se refletem, mas ainda assim são diferentes. E para nos sentirmos pertencentes ao nosso tempo, temos que estar "conectados" com ambas as realidades o tempo inteiro.
Para finalizar, não é tão difícil notar que a tarefa filosófica aumentou, não somente pelos fatores elencados, mas até mesmo por outros que se relacionam com estes também, inclusive um que é bem mais fácil perceber: as pessoas não querem pensar. Aqueles que se interessam por estas que deveriam ser questões fundamentais na vida de cada um continuam sendo poucos.
Um comentário:
boto fé.
ou não.
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