sábado, 11 de setembro de 2010

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Neurótico obsessivo-pessimista

Sofro de estresse pré-traumático, acredito sempre que o pior ainda está por vir...

Azar na sorte, jogo no amor... E Psicologia.


Poderia-se dizer que "Azar na sorte, jogo no amor" é a forma abreviada da seguinte poesia de Paulo Leminski, de seu primeiro livro "Distraídos venceremos":

"Sorte no jogo, azar no amor.
De que me vale sorte no amor
Se o amor é um jogo
E o jogo não é o meu forte
Meu amor?"

De uma forma ou de outra é inevitável concordar com a idéia chata de amor como um jogo. Então, pensando dessa forma, vejamos o que algumas das principais abordagens da psicologia dizem sobre isso.

A Análise do Comportamento vê o amor como um comportamento como qualquer outro, logo podendo ser instalado através de esquemas de reforçamento. Ela diz que o esquema que instala o comportamento mais rapidamente é o de reforço contínuo, que expõe o sujeito repetidas vezes seguidamente ao mesmo reforço. Porém, o esquema mais eficaz para manter o comportamento e tornar difícil sua extinção, porém mais demorado, é o de reforçamento intermitente, onde o sujeito é exposto repetidas vezes ao reforço mas de forma alternada com outras contingências reforçadoras ou não dentro do mesmo ambiente. Dessa forma é possível imaginar como existem casais que brigam tanto mas não se separam.

A abordagem existencial-fenomenológica tem uns 50kg de livros e teorias que podem dizer sobre o amor, mas no geral considera-se o amor, assim como outros sentimentos e as emoções, como consciência, logo há intencionalidade e o eterno movimento em direção ao fenômeno de amar. Esta abordagem não tem a pretensão de explicar porque uma pessoa ama outra, mas visa compreender como se dá o fenômeno de amar para o ser amante.

Em Heidegger, o amor pode ser considerado como um humor ao qual o indivíduo se encontra lançado no mundo, mas parece melhor descrição para a paixão, que faz parte do amor. Este está mais relacionado ao cuidado, sendo assunto ôntico de cada um deixar-se levar pelas paixões ou assumir a relação de cuidado com o ser-amado autenticamente.

Em Sartre, pensando na idéia de relação humana como necessariamente conflituosa ("O inferno são os outros), pode-se ser levado a pensar que não há espaço para um amor que não seja egoísta, devido à inevitável sobreposição de projetos. De fato não há como escapar a certa forma de egoísmo mesmo, mas é possível se assumir autenticamente a responsabilidade de amar e de certa forma, escolher como projeto às vezes abrir mão de projetos em benefício do ser amado. Meio que "assumir autenticamente a inautenticidade". Na segunda fase de sua obra ele se volta ao marxismo e de certa forma retorna a uma idéia de Dukheim de que "uma anomia não significa liberdade" dando-lhe uma nova versão. Neste período, Sartre afirma que a forma verdadeira de liberdade é construída através de grupos, de comunidades, num engajamento por uma causa comum. Logo pode-se pensar agora num engajamento de amantes pela causa do amor. Em essência, não mudou muita coisa neste aspecto.

De qualquer forma, pensando na eterna capacidade auto-atualizante da consciência, pode pensar pelo menos porque os seres amantes são tão inconstantes.

Finalmente na psicanálise, temos talvez uma indicação mais precisa sobre este doloroso jogo, na noção de Édipo freudiana, e também na concepção winnicottiana de "mãe suficientemente boa". Em ambas o amor materno é uma espécie de protótipo que guiará toda vida sentimental da estrutura do sujeito na neurose e a falta é o carro-chefe da constituição do sujeito de modo geral.

Em Freud, no Édipo, a mãe tem de oferecer a falta ao filho para que ele possa sair do auto-erotismo e do narcisismo. As ausências da mãe às necessidades da criança em detrimento a outros assuntos de sua vida, que é algo normal, constituem condição necessária para que se instaure a lei e o ser humano entre na neurose. Caso contrário, se ele nega a lei (foraclusão) ou esta lei é "mal-instaurada", tornando-se "frouxa" de alguma forma, o indivíduo entrará na psicose ou na perversão, respectivamente. Conclui-se então que o amor materno está pareado com a falta nos primeiros momentos da constituição da pessoa, tornando esta relação presente pro resto da vida dela. A mãe que ama deve dar amor, mas acima de tudo tem que dar a falta. Um amor assim constituído se reflete naquela idéia que os neuróticos tem de que só valorizam algo depois que perdem.Logo o amor neurótico precisa da falta.

A concepção de Winnicott de "mãe suficientemente boa" é de que esta deve adaptar-se às necessidades do bebê, gerando nele a ilusão de que o seio é uma extensão dele mesmo e que ele exerce um controle mágico sobre este "objeto", para então gradativamente desiludí-lo fazendo-o ter que lidar com a frustração. Desta forma ela lhe proporcionará um desenvolvimento psiquicamente saudável, pois com o auxílio dos "objetos transicionais" este bebê irá desenvolver o conhecimento da diferença mundo interno/mundo externo, chegando assim à realidade. É uma idéia que se aproxima da idéia freudiana, logo esta mãe "ensina" desde cedo também que numa relação saudável deve haver amor e falta.

Destas teorias psicanalíticas então concebemos a relação com a idéia do senso comum de que "ciúme na medida certa faz bem à relação". Afinal nunca há confiança plena, e nosso narcisismo agora latente exige uma exclusividade que nunca saberemos ter plenamente.

De uma forma ou de outra, em qualquer uma dessas teorias há sempre uma abertura para a subjetividade, seja num repertório comportamental, na história de um aparelho psíquico ou num eu consciente. A existência concreta não tem como ser teorizada e cada situação é única. O amor é algo que acontece e o sentido atribuído a ele é sempre uma experiência individual. Zygmunt Bauman acredita que não há como "aprender a amar", logo amor não é treino e não há como "se tornar um amante melhor" pelo simples acúmulo de experiências. Deve-se ter uma "atitude fenomenológica" diante de algo tão belo, contingente e necessário e vivê-lo em todas as suas nuances. Ficar fazendo joguinhos às vezes sufocam uma vivência mais intensa e concreta do amor. Talvez eles sejam necessários, mas tudo e todos têm sua medida.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Anarquia? Sociedade alternativa? Acho que não.


É realmente incrível como todo movimento sério vira uma ferramenta burocrática engolida pelo próprio espetáculo outrora (e ainda) opressor. Seja movimento de grupos tidos como minorias, seja movimento nacionalista, separatista, trabalhista, vanguardista, ativista, artístico, ou especialmente partidarista (no caso do nosso país), o resultado é sempre o mesmo.

Não sei quanto a outros países, mas a impressão, de bom brasileiro que sou, que tenho de toda instituição é de que sejam sempre cheias de corrupção e jogos de interesses pessoais, dentro de algo que até certo tempo muitas das vezes se mantinha como uma luta séria e verdadeiramente engajada. Parece haver uma metamorfose no momento em que grupo "X" ou "Y" é reconhecido e legitimado pelo Estado. É ingenuidade não perceber que esta é a forma de controle vigente na sociedade do espetáculo.

Dessa forma todo movimento legitimado ganha ares de hipocrisia, independente da causa. Muitas das vezes, inclusive, se assemelham a empresas. Os partidos políticos são o exemplo mais nítido do problema no Brasil. Eles parecem flutuar de acordo com o "mercado", com seus "cartéis" e suas "franquias" autônomas. Aptas somente a lucrar independente de qualquer "política de empresa" que possa ter feito parte da fundação da determinada instituição. Vemos hoje na TV partidos historicamente rivais fazendo alianças locais, ou até mesmo nacionais, como no caso da união PSDB e PDT. Isso sem falar na novela do PT do Maranhão que fica entre o ideal e o concreto, ou vice-versa, em termos de sentido.

Enfim, parece não haver solução para este problema da hipocrisia/demagogia em instância nenhuma de nenhuma instituição. Poder-se-ia então pensar nas possibilidades mais absurdas como anarquia, movimento punk, etc., mas o que mudaria de fato? Eu não quero usar calça colada nem "spikes", e gosto demais do Mc Donalds e afins para querer ir plantar meu alimento no quintal de casa.

Algumas pessoas mais esperançosas dirão que mesmo com o problema da corrupção nas instituições, ainda existem pessoas que tentam fazer o que é certo. Tentam levar a sério a luta que lhes motivou inicialmente. E, de fato, existem sim. Mas boa parte das vezes estas também são forçadas a entrar no jogo, e o preço de uma recusa a este espetáculo é alto demais.

Devemos reconhecer a necessidade das instituições para a organização da sociedade, mas ter estômago para fazer parte de alguma delas voluntariamente é deveras complicado. Sartre diz que só há liberdade no grupo, na união, no engajamento da comunidade pelo bem-estar geral, em contraste com sua própria idéia de relações humanas conflituosas, porém de acordo com o que o próprio também afirma sobre a responsabilidade, e a consciência da liberdade.

Desta vez não tenho como tomar uma posição clara frente a este persistente dilema da existência: necessidade x vontade. Como diz o marciano amigo de Clark em Smallville, John Jones: "When it comes to choosing sides, things aren't always black and white."

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Amor e morte: algumas associações despretensiosas.


Amor e morte são uma combinação poderosa, segundo Daniel Gildenlow, vocalista da banda Pain of Salvation. Na quinta faixa do quinto álbum, o BE, ele coloca situações que misturam as duas idéias e causam um turbilhão se sentimentos poderosos que nos fazem refletir sobre o poder do amor e a brevidade da vida. As situações não falam de abandonos e decepções, mas mostram a inevitabilidade da extinção mesmo do que pode ser tão forte em nós. Talvez justamente este caráter perecível torne este sentimento tão poderoso, talvez a brevidade de tudo seja nosso traço mais marcante de humanidade.

Numa visão mais pessimista House diz que "Não há dignidade na morte.(...) Você pode viver com dignidade, mas nunca morrer com ela.". Para os amantes de verdade, nunca existiu aquele momento de abandono total do orgulho e amor próprio em nome de um sentimento considerado naquele instante como acima de tudo? A morte toma todas as glórias, e o amor, todo o equilíbrio. Tanto num quanto no outro a perda faz com que pareçamos impotentes e frágeis.

Enfim, como diria Amy Winehouse: "Love is a losing game". De uma forma ou de outra.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Psicologia, eu quero uma pra viver!


Imagino que todo graduando em psicologia deva passar pelo momento angustiante da escolha de qual abordagem orientará sua prática. E em uma Universidade como a Federal do Maranhão, as coisas são ainda mais complicadas porque o campo de possibilidades é muito reduzido. Tais graduandos se vêem obrigados a escolher entre Análise do Comportamento ou Psicanálise, uma vez que outras abordagens carecem de profissionais com boa experiência, fundamentados ou às vezes compromissados que pudessem orientar outras práticas psicológicas.

Aparentemente as abordagens dominantes se instalaram primeiro aqui e isto talvez seja uma boa explicação para essa limitação da psicologia maranhense. Apesar de que pelo tempo que o curso existe já deveríamos ter mais opções.

Mas existe também o problema da aceitação. Isto é, abordagens de cunho mais filosófico, logo que exigem mais leitura, talvez não sejam de interesse de uma sociedade imediatista como a nossa. A Análise do Comportamento oferece quase que uma pílula mágica com seus recortes e sua estrutura externalista de causa e efeito, chegando à pretensão de "dar alta" a seus clientes. E sim, causa e efeito, pois Skinner só conseguiu não ser tão ingênuo quanto seus predecessores. Ele encontrou boas desculpas para dar, inclusive extraindo idéias do humanismo. Quem nunca pensou na semelhança entre o conceito de discriminação e o conceito de ato intencional? Enfim, abordagem prato cheio para os funcionários da ciência, neuróticos obsessivos.

Mas a Psicanálise não é imediatista e também é bem complexa. Pode ter sido uma questão de marketing, ou do desejo das pessoas em procurar respostas no "sobrenatural", ou ainda por falar em energia sexual, o que mexe com o imaginário leigo, enfim, dizem que Freud foi o autor mais citado no século XX. De uma forma ou de outra, apesar de ser de uma boa complexidade e seu processo de tratamento ser às vezes demorado (depende do neurótico), o que talvez fosse um complicador, ela oferece um modelo pronto, um sistema fechado em que pra tudo se pode encontrar explicação. Isto é extremamente confortável, logo atrativo.

As abordagens existenciais fornecem boas críticas a esses modelos mais aceitos, o que é bom pro conhecimento teórico da psicologia, mas talvez na prática a coisa não funcione tão bem. O método utilizado no processo terapêutico dessas abordagens é filosófico e, talvez por minha leitura ainda ser razoável, parece impraticável. Muitas das vezes isso faz parecer mais uma "filosofia clínica" que propriamente uma psicologia. Existe também influência da psicanálise, como por exemplo na psicologia existencial sartreana. Mas o pior de tudo são as teorias de bom coração dos humanistas ingênuos que possuem fundamentação e método chulos, soando quase que como auto-ajuda às vezes.

De uma forma ou de outra o que resta é continuar buscando embasamento para minimamente se ter uma consciência necessária para fazer a melhor escolha e poder-se arcar com a correspondente responsabilidade.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Finitude e falta.


A psicanálise diz que o que nos move é a falta. Não há como discordar de que somos sujeitos que desejamos o desejo e não necessariamente a satisfação, afinal, segundo a mesma, satisfação total é impossível e significaria a morte caso não o fosse.

Em outras palavras o que dá sentido a cada pensamento ou ação nossa no mundo é a finitude das coisas, saber que nada dura para sempre. Ou, como diria Renato Russo, "o pra sempre sempre acaba".

Ter consciência da finitude não é tão simples. Podemos perceber, por exemplo, a força do fenômeno religioso nesta nossa tentativa necessária e própria de buscar a eternidade. Ninguém quer saber da sua morte. Ninguém quer começar um projeto com a consciência de que terá um fim. Este receio torna as pessoas fracas.

Estamos sempre buscando ter o controle do mundo, dos resultados de nossas ações, calculando probabilidades, fazendo experimentos, criando hipóteses sob a ilusória idéia de que estamos cada vez mais próximos da verdade. São sempre as "idéias claras e distintas" que prevalecem. Nietzsche já nos alertou para a perda das emoções, Heidegger alertou para a ditadura do impessoal, Sartre quis resgatar nossa liberdade através de uma ética da honestidade e autenticidade, Camus tenta nos retirar toda a esperança para devolver todas as forças, Bauman parte da construção de uma forma de organização social na modernidade para nos alertar do "enquadradamento" da vida, Guy Debord nos mostra como o espetáculo substitui o ser pelo ter, enfim, alguns exemplos de homens que perceberam os riscos de se viver sem querer assumir a vida (e a morte).
O que podemos perceber em cada autor desses é o desejo de deixar claro pro homem os riscos de uma vida sem responsabilidade. Não digo exatamente resgatar o caráter humano do homem (dizer o que é humano ou não é sempre algo polêmico) mas de fazê-lo ter consciência de sua liberdade e dos riscos de uma vida mecânica.

Especialmente com o Camus temos uma lição de força e resignação. Diante de um mundo absurdo, sem sentido por si só, existe uma consciência limitada, porém revoltada, que retira de sua impossibilidade de plenitude sua beleza e força.

É justamente por esse caráter decorrente do eterno jogo entre ser e não-ser (nada), que não podemos prever o resultado de nossas escolhas. Mas ainda assim somos condenados a escolher. É como o Sartre diz, se a consciência atingisse todas as suas possibilidades, ela se tornaria coisa. Parece ser assim que a falta está presente em sua teoria.

A relação falta/finitude talvez não tenha sido devidamente esclarecida, mas o leitor mais familiarizado com as teorias psicológicas deve lembrar do velho impasse entre a logoterapia e a gestalt quando uma diz que a vida é um fluxo, logo não se podendo "fechar gestalts" ao longo dela, e a outra diz que fechamos gestalts sob a pena da possibilidade de não conseguirmos prosseguir. Percebe-se que a teoria da gestalt parece fazer mais sentido no tocante ao que foi levantado aqui sobre a finitude, principalmente levando em consideração a idéia de que o homem é um hermeneuta do seu mundo e lhe dá sentido a cada instante e em cada ação.

Em resumo, o homem dotado do caráter da consciência que é sempre movimento, a cada instante, tem para si a possibilidade de poder ser si-mesmo, ou se atualizar, tal qual encontramos no homem e o rio de Heráclito. Podendo se renovar a cada instante, uma consciência que é sempre um movimento incompleto, gera sempre falta, pelo próprio desvelamento/encobrimento do ser, num caráter mais ontológico, pois o homem nunca poderá esgotar todas as suas possibilidades (talvez na morte, mas isto é outra questão). Então a cada instante de sua vida ele poderá começar e terminar várias coisas até a sua morte e isso está intrínseco à sua condenação à liberdade de escolha e ao que Husserl chama de ato doador de sentido. Ele sempre carregará o peso da responsabilidade de escolher sem poder controlar os resultados das escolhas.
Pode parecer angustiante, mas quem disse que a vida é fácil?

terça-feira, 30 de março de 2010

Escolhas, angústia, receios, vida.


Você sempre foi uma pessoa ridiculamente normal, como todo mundo. Uns dilemas existenciais aqui, umas depressõezinhas ali, mas fatores talvez facilmente atribuíveis à adolescência. Mas você não ficou por aí. Você tinha que ir atrás de algo pra preencher o vazio, e como relações afetivas, que parecem ser as únicas coisas que importam na vida de um adolescente, nunca foram seu forte, você precisava sublimar isso através de algo.

Então vem a sede por conhecimento. Você tenta entrar de cara em Kant, absurdo! É lógico que querer ler a Crítica da Razão Pura sem ter lido ao menos uns 5 filósofos antes é praticamente impossível. Além do mais, o que você queria mesmo na época era um guia de vida, afinal você estava completamente perdido neste mundo, e já naquele tempo, mas sobretudo mais tarde, você ia perceber o quanto a filosofia o deixa mais perdido ainda.

Ser filósofo é ser angustiado. É ter sempre o mundo posto em questão a cada instante. Nada deve ser aceito passivamente, sem questionamento, pois o filósofo tem compromisso com a verdade. Sabe da impossibilidade de êxito de tal missão, que o mundo não pode oferecer um sentido próprio por si só, e mais, que a beleza de sua tarefa depende necessariamente da impossibilidade de se criar uma verdade absoluta.

Parece contraditório, mas a contradição é algo perfeitamente aceitável diante do absurdo da existência, da falta de sentido que nos obriga a dar sentido às coisas. Isto é que nos mantém em movimento, existencialmente a consciência jamais pode ser plenitude, senão se torna coisa, deixa de ser possibilidade, então jamais esgotará seu objeto. Em jargão psicanalítico, a falta é o que nos move. Somos sujeitos desejantes e se atingirmos a plenitude, o desejo que é a "energia" da nossa psiquê cessa, então viramos "coisa" do mesmo jeito, através da morte.

Os caminhos do pensamento são vários. Às vezes dizem a mesma coisa de forma tão diferente que realmente parecem coisas diferentes. Tudo depende do sentido que se atribui, e em última instância, diria que de crença. Vivemos um mundo de representações sociais para Durkheim ou Moscovici, linguísticas para a psicanálise, fenomênicas para Kant, fenomenais para Husserl, ônticas para Heidegger, enfim, fechando com Sartre, nós damos sentido ao nosso mundo, somos hermeneutas do nosso mundo. Quando escolhemos, escolhemos não só pra gente como pro mundo, ao qual damos sentido.

Quando se tem estas idéias minimamente clarificadas para a consciência, é inevitável o angustiar-se. Às vezes dá vontade de desistir de tudo. A cada dia surge um pensamento novo. E você já não sabe mais em quem acreditar. Isso é difícil. Você se sentirá impelido a buscar mais autores, mas em momentos de fraqueza você sente como se fosse uma tarefa em vão. Principalmente se você vive em uma sociedade de consumo onde a todo instante lhe impõem a necessidade de um bom salário e um carro do ano. Não é que o filósofo não deva consumir e ter seu carro, mas é que carregar o peso da existência autenticamente é tão difícil que o indivíduo pode sim se render ao conforto e/ou ao hedonismo pós-moderno, abandonando seu ofício enquanto ser-no-mundo.

Os receios aumentam quando nos damos conta de que a realidade se expandiu. A era virtual é uma realidade (com o perdão da repetição e da antítese). Agora são muito mais elementos que temos de perceber e compreender. Temos que permanecer trafegando entre esses mundos que se refletem, mas ainda assim são diferentes. E para nos sentirmos pertencentes ao nosso tempo, temos que estar "conectados" com ambas as realidades o tempo inteiro.

Para finalizar, não é tão difícil notar que a tarefa filosófica aumentou, não somente pelos fatores elencados, mas até mesmo por outros que se relacionam com estes também, inclusive um que é bem mais fácil perceber: as pessoas não querem pensar. Aqueles que se interessam por estas que deveriam ser questões fundamentais na vida de cada um continuam sendo poucos.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Ditadura da saúde.


O homem sempre desejou ser eterno e a técnica hoje propicia uma qualidade de vida sem precedentes na história da humanidade. Mas que qualidade e que vida seriam essas? Quer dizer, qual o preço dessa busca pela fonte da juventude?

Com o dilúvio de informações do nosso tempo, as pessoas tem a necessidade de estarem conectadas sempre com as últimas novidades do que acontece no mundo. Por questões mesmo de sobrevivência, afinal o mercado de trabalho é dinâmico e seguiu o ritmo das mudanças ocorridas se tornando bem mais rígido.

Mais rígidos também se tornaram os padrões estéticos, pois aquela atriz magrinha e bonita que aparece na TV já deixou o segredo de sua "Boa Forma" em alguma revista ou site por aí. O bombadão da novela das oito que aparece semi-nu lembra aos homens todo dia daquela quase nem sempre discreta barriguinha de chopp (e às suas respectivas companheiras também).

Tem ainda a questão do envelhecimento. "Envelheça com saúde", "Conheça os milagres da dieta de grãos", "Os benefícios da ração humana". Todos os dias aparecem dicas de saúde em todos os veículos de informação e as pessoas neste afã de se tornarem jovens para sempre, se submetem a todo tipo de "tortura". Quando o desejo de prolongar a vida se torna mais importante que vivê-la, o vazio é inevitável.

Criou-se na atual sociedade uma verdadeira "ditadura da saúde". Os jovens que estão mais suscetíveis aos estímulos da nova era são a principal vitrine dessa pressão toda. É a juventude do exagero. Ou a menininha fica anorexa de tanto comer folha, ou o rapazote fica burro e doente de tanto anabolizante pra pelo menos parecer saudável. O importante é a forma independente do conteúdo. Temos também as drogas que estão chegando cada vez mais cedo na vida deles e em um nível de consumo cada vez mais alto.

A "ditadura da saúde" está diretamente vinculada às restrições e imposições que até agora só tem surtido efeito contrário. Algo para se refletir é o caso dos Estados Unidos na época em que foi proibida a comercialização e o consumo de álcool. Surgiu um verdadeiro mercado negro que rendeu muito dinheiro aos que praticavam este comércio então excuso e muita violência pra todo povo americano. A saída para o governo foi legalizar o consumo novamente para conter o problema. No Brasil, onde a ignorância e a corrupção predominam, está começando um movimento de proibição de tudo. Em muitas cidades os lugares não podem funcionar depois de determinado horário e não se pode mais fumar em lugar nenhum. Tudo isso com o intuito de diminuir uma violência que é consequência de diversos outros fatores que não a diversão noturna. Apesar de não ser muito adequado o palavreado científico, mais uma vez estão tentando atacar diretamente o problema em vez de suas causas.

E assim continuamos nossas vidinhas medíocres. Seguindo receitas de bolo de "como ser feliz" que surgem a todo instante, tornando-nos Barbie's e Ken's do modelo imposto, aderindo a um moralismo hipócrita e absurdo, fazendo cara feia pros fumantes no ponto de ônibus (onde praticamente não existe fumaça), indo em busca de ideais vendidos que nos deixam incapacitados de fazer qualquer juízo crítico, enfim, abrindo mão de nossas escolhas e consequentemente de nossa condição humana.

Então o "viver com qualidade" não é comer ração humana, nem precisa ser uma diária tentativa de suicídio. Só precisamos tentar ser conscientes de que nós damos sentido a nossa existência e essa responsabilidade ninguém nos tira, nem teria como. Então por mais que hajam dicas de um modelo de felicidade, devemos lançar um olhar a partir de nossa vivência do sentido que aquilo possa ou não fazer pra gente. Porque "...a vida é pra valer e não se engane não é uma só. Duas mesmo que é bom ninguém vai me dizer que tem sem provar muito bem provado com papel passado em cartório do céu e assinado embaixo: 'Deus', e com firma reconhecida", como dizia o poeta Vinícius de Moraes em seu Samba da Benção.

As determinações sempre estão aí, mas o que fazer com elas é escolha nossa.

sábado, 13 de março de 2010

Forever young...


Algumas vezes observamos indivíduos que parecem não querer assumir que ‘a geração que jurou ser jovem pra sempre chegou lá’. Sim, aquele seu vizinho chato que já rompeu a casa dos quarenta e todo sábado de manhã vai lavar seu carro numa espécie de ritual sagrado, com aquela música “dixcolada” nas alturas, seu óculos estilo surfista e aquela bermudinha sexy.

Alguns podem criticar afirmando que se trata apenas de um estilo de vida, e que é bom manter o espírito jovem, e que é justificável, etc. Mas a questão é que este fenômeno é manifestação de algo preocupante que tem acontecido com maior frequência, e especialmente em países desenvolvidos: os kidults (adultescência, no Brasil).

A necessidade cada vez mais crescente de qualificação na concorrência por um bom emprego, a “modernização” do trabalho, preconizada por teorias organizacionais e inevitável pela evolução tecnológica, que abrem possibilidades de diferentes estilos de vida e maior autonomia para os empregados, a descoberta de um mercado consumidor nostálgico pelos veículos de comunicação e pelas grandes indústrias, e, claro, os avanços da medicina que aumentaram muito a longevidade, talvez sejam os fatores que mais aparecem como possibilidade de causa. Mas até mesmo o movimento feminista e a revolução sexual contribuíram para o surgimento deste fenômeno.

Enfim, a questão não é dizer que o indivíduo não possa ter um estilo jovem, mas sim compreender que talvez este estilo diga além de uma vestimenta (ou ausência dela), consequentemente trazendo prejuízos sociais, tanto pro indivíduo quanto pra sociedade. Esta pessoa que não consegue sair da casa dos pais, que às vezes tem filho precocemente, que torra dinheiro e se obceca com academia e produtos de beleza, que se endivida, que não consegue ter uma relação afetiva estável, etc., não adquiriu responsabilidade e autonomia na sua vida.

Como serão seus filhos? Pesquisas realizadas aqui no Brasil e divulgadas em revistas de grande circulação apontam que há casos em que os papéis se invertem dentro de casa e o filho passa a ser o “careta” da história. Absurdo! Uma pessoa com 15 anos tendo que lidar com responsabilidades de uma de 30? Será que isso não traz nenhuma consequência para o desenvolvimento psicosocial dela? E nos casos onde não há esta inversão, o que acontece? Provavelmente a mera transmissão deste modelo.

‘A geração que jurou ser jovem pra sempre’ tem que tomar cuidado pra não ser irresponsável pra sempre.


Ps.: Inicialmente postado em www.javimelhores.wordpress.com. A autoria é minha. Fiquei com medo de passar março em branco. Falta de inspiração é coisa chata.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

i igual a raiz de menos um.

Desistir de desistir, Eu desisto de desistir Desisto de Eu desistir de...
Odeio dízimas periódicas.
Não é irracional?

Existir

sábado, 23 de janeiro de 2010

Tragédia no Haiti: um olhar existencial.


Apesar de todos os avanços técnicos do homem, ninguém foi capaz de evitar que um terremoto de 7 pontos na escala Richter atingisse com violência o mais pobre país das Américas no dia 12 de janeiro.

Não se quer dizer, contudo, que o homem tenha poder de impedir uma catástrofe natural poderosa como essa. A questão é o que a tornou uma catástrofe tão “violenta”. Justamente foi o fato de ela ter causado tantas mortes, tantas perdas humanas. Se tivesse ocorrido algo assim em uma região desabitada no meio do oceano não haveria toda a comoção que tem surgido em volta desta tragédia. Nenhuma surpresa. O status de tragédia mesmo tem essa relação com a morte de tantas pessoas.

Isto implica dizer que o homem se compreende em sua condição de abertura de sentido. Ele é que pode dizer que um fato como este pode ser considerado trágico ou violento. Há um reconhecimento nas coisas e principalmente no outro. Somos ser-no-mundo, ou seja, somos a cada instante abrindo, desvelando possibilidades de ser. Mas também somos ser-com-outros. Relacionamos-nos com outros de uma forma diferente de como nos relacionamos com os objetos. Sentimos alegria, dor, comoção, compaixão, medo, vergonha. Isto nos move e faz com que nos sintamos humanos.

Grandes tragédias como esta no Haiti tem implicações para o mundo todo, mas com certeza muito mais para aqueles que vivenciaram tudo isso e puderam presenciar todo mundo que lhes era tão familiar, desabando em questão de minutos.

Em uma esfera macro podemos pensar que Heidegger estava certo em relação Sartre, ou seja, que as relações humanas são de cuidado, de preocupação com o outro. Que as pessoas podem se empenhar numa tarefa comum em sua existência e a enaltecerem. Abrindo mão de uma visão crítica a respeito da manipulação dos meios de informação, e até mesmo sobre a decadência em que as pessoas podem estar mergulhadas para não decidirem sobre si mesmas, é belo perceber como a maioria delas se comove com uma dor que “nem é sua”. Isto é ser-com, isto é preocupação, independente de como isso possa se afigurar como um desvio de seu poder-ser.

Quando se pensa na ajuda humanitária dos órgãos internacionais, sempre se tende a querer ver um motivo “por detrás”, seja político, econômico, etc. Mas se atos assim podem ter esse peso ideológico, são valorizados de alguma forma. São valorizados porque é próprio do homem em seu ser-com. Independente de interesses individuais que possam aparecer, atitudes como essa devem sim ser enaltecidas.

A Europa irá doar 400mi de euros para a reconstrução de Porto Príncipe. Há mobilização do mundo todo para devolver essas famílias ao cuidado. Mesmo após quase uma semana após a tragédia, a esperança de se ainda encontrarem pessoas vivas nos escombros, ainda existe. Soldados brasileiros que perderam amigos na tragédia continuam trabalhando, repórteres no meio da transmissão de notícias não controlam a comoção, haitianos cavam escombros com as mãos para ajudar pessoas soterradas, médicos improvisam hospitais no meio da rua, enfim, é nítido o impacto psicológico que uma catástrofe assim tem naqueles que tem a possibilidade de testemunhar tanta destruição. E, podem falar o que quiserem esses que vêem sempre a “metade vazia do copo”, isto é louvável.

Voltando para uma perspectiva micro, daqueles que perderam “seu mundo”, as implicações são desesperadoras. É inevitável não falar de como o fenômeno da angústia se mostra nesta situação.
Em Heidegger, a angústia é ontologicamente uma forma autêntica de assumir seu poder-ser mais próprio. É quando o indivíduo perde o mundo das entidades com o qual tem familiaridade e sai da decadência no impessoal, restando apenas nada e aquilo que não está em lugar nenhum. É uma forma de relacionar-se com a existência em sua crueza, é talvez o que possibilita aquilo que o Sartre chama de náusea.


Naquilo com que a angústia se angustia revela-se o “é nada e não está em lugar nenhum”. Fenomenalmente, a impertinência do nada e do lugar nenhum intramundanos significa que a angústia se angustia com o mundo como tal. A total insignificância que se anuncia no nada e no lugar nenhum não significa ausência de mundo. Significa que o ente intramundano em si mesmo tem tão pouca importância que, em razão dessa insignificância do intramundano, somente o mundo se impõe em sua mundaneidade. (Heidegger, Ser e Tempo, §40, pág. 253)


A angústia diferencia-se do medo pelo fato de este ser sempre voltado para um ente intramundano. Ou seja, ele é algo de ordem existenciária. As pessoas que estão vivenciando esta tragédia experimentam as duas coisas. A perda de “chão” à qual foram de repente lançadas, e que é possível perceber nas pessoas que vemos caminhando completamente sem rumo nos noticiários, e o medo do que pode ainda vir de ruim desta tragédia.

Neste ponto, Sartre pode ter razão em relação a Heidegger ao afirmar que a existência é conflituosa. Numa situação catastrófica como esta, o homem tende a se entregar e abrir mão de seus mais profundos valores. A questão é sobrevivência, e nem todos escolhem assumir a responsabilidade de seus atos quando se encontram nos escombros da vida. Já há peso demais a suportar.
Alguns apelam para a religião num esforço desesperado de ainda ver sentido em algo, outros decidem pela violência dos saques e dos roubos. Nem a possibilidade de fazer o funeral de seus familiares no quintal de casa, como é da tradição deles, eles tiveram. Veículos de notícia como o G1 a todo instante falam do aumento da violência no Haiti. Segundo ele a Cruz Vermelha diz que “...os incidentes crescem na mesma proporção que o ‘desespero’ dos sobreviventes do terremoto...”.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Difícil

Ah! A poesia...
Malditas linhas sem sentido,
Maldito ócio que angustia,
Maldito domingo,
Maldito carnaval,
Maldita euforia,
Maldito colorido,
Maldito brilho...
O que a gente não faz pra preencher um vazio!