sexta-feira, 4 de junho de 2010

Finitude e falta.


A psicanálise diz que o que nos move é a falta. Não há como discordar de que somos sujeitos que desejamos o desejo e não necessariamente a satisfação, afinal, segundo a mesma, satisfação total é impossível e significaria a morte caso não o fosse.

Em outras palavras o que dá sentido a cada pensamento ou ação nossa no mundo é a finitude das coisas, saber que nada dura para sempre. Ou, como diria Renato Russo, "o pra sempre sempre acaba".

Ter consciência da finitude não é tão simples. Podemos perceber, por exemplo, a força do fenômeno religioso nesta nossa tentativa necessária e própria de buscar a eternidade. Ninguém quer saber da sua morte. Ninguém quer começar um projeto com a consciência de que terá um fim. Este receio torna as pessoas fracas.

Estamos sempre buscando ter o controle do mundo, dos resultados de nossas ações, calculando probabilidades, fazendo experimentos, criando hipóteses sob a ilusória idéia de que estamos cada vez mais próximos da verdade. São sempre as "idéias claras e distintas" que prevalecem. Nietzsche já nos alertou para a perda das emoções, Heidegger alertou para a ditadura do impessoal, Sartre quis resgatar nossa liberdade através de uma ética da honestidade e autenticidade, Camus tenta nos retirar toda a esperança para devolver todas as forças, Bauman parte da construção de uma forma de organização social na modernidade para nos alertar do "enquadradamento" da vida, Guy Debord nos mostra como o espetáculo substitui o ser pelo ter, enfim, alguns exemplos de homens que perceberam os riscos de se viver sem querer assumir a vida (e a morte).
O que podemos perceber em cada autor desses é o desejo de deixar claro pro homem os riscos de uma vida sem responsabilidade. Não digo exatamente resgatar o caráter humano do homem (dizer o que é humano ou não é sempre algo polêmico) mas de fazê-lo ter consciência de sua liberdade e dos riscos de uma vida mecânica.

Especialmente com o Camus temos uma lição de força e resignação. Diante de um mundo absurdo, sem sentido por si só, existe uma consciência limitada, porém revoltada, que retira de sua impossibilidade de plenitude sua beleza e força.

É justamente por esse caráter decorrente do eterno jogo entre ser e não-ser (nada), que não podemos prever o resultado de nossas escolhas. Mas ainda assim somos condenados a escolher. É como o Sartre diz, se a consciência atingisse todas as suas possibilidades, ela se tornaria coisa. Parece ser assim que a falta está presente em sua teoria.

A relação falta/finitude talvez não tenha sido devidamente esclarecida, mas o leitor mais familiarizado com as teorias psicológicas deve lembrar do velho impasse entre a logoterapia e a gestalt quando uma diz que a vida é um fluxo, logo não se podendo "fechar gestalts" ao longo dela, e a outra diz que fechamos gestalts sob a pena da possibilidade de não conseguirmos prosseguir. Percebe-se que a teoria da gestalt parece fazer mais sentido no tocante ao que foi levantado aqui sobre a finitude, principalmente levando em consideração a idéia de que o homem é um hermeneuta do seu mundo e lhe dá sentido a cada instante e em cada ação.

Em resumo, o homem dotado do caráter da consciência que é sempre movimento, a cada instante, tem para si a possibilidade de poder ser si-mesmo, ou se atualizar, tal qual encontramos no homem e o rio de Heráclito. Podendo se renovar a cada instante, uma consciência que é sempre um movimento incompleto, gera sempre falta, pelo próprio desvelamento/encobrimento do ser, num caráter mais ontológico, pois o homem nunca poderá esgotar todas as suas possibilidades (talvez na morte, mas isto é outra questão). Então a cada instante de sua vida ele poderá começar e terminar várias coisas até a sua morte e isso está intrínseco à sua condenação à liberdade de escolha e ao que Husserl chama de ato doador de sentido. Ele sempre carregará o peso da responsabilidade de escolher sem poder controlar os resultados das escolhas.
Pode parecer angustiante, mas quem disse que a vida é fácil?