terça-feira, 30 de março de 2010

Escolhas, angústia, receios, vida.


Você sempre foi uma pessoa ridiculamente normal, como todo mundo. Uns dilemas existenciais aqui, umas depressõezinhas ali, mas fatores talvez facilmente atribuíveis à adolescência. Mas você não ficou por aí. Você tinha que ir atrás de algo pra preencher o vazio, e como relações afetivas, que parecem ser as únicas coisas que importam na vida de um adolescente, nunca foram seu forte, você precisava sublimar isso através de algo.

Então vem a sede por conhecimento. Você tenta entrar de cara em Kant, absurdo! É lógico que querer ler a Crítica da Razão Pura sem ter lido ao menos uns 5 filósofos antes é praticamente impossível. Além do mais, o que você queria mesmo na época era um guia de vida, afinal você estava completamente perdido neste mundo, e já naquele tempo, mas sobretudo mais tarde, você ia perceber o quanto a filosofia o deixa mais perdido ainda.

Ser filósofo é ser angustiado. É ter sempre o mundo posto em questão a cada instante. Nada deve ser aceito passivamente, sem questionamento, pois o filósofo tem compromisso com a verdade. Sabe da impossibilidade de êxito de tal missão, que o mundo não pode oferecer um sentido próprio por si só, e mais, que a beleza de sua tarefa depende necessariamente da impossibilidade de se criar uma verdade absoluta.

Parece contraditório, mas a contradição é algo perfeitamente aceitável diante do absurdo da existência, da falta de sentido que nos obriga a dar sentido às coisas. Isto é que nos mantém em movimento, existencialmente a consciência jamais pode ser plenitude, senão se torna coisa, deixa de ser possibilidade, então jamais esgotará seu objeto. Em jargão psicanalítico, a falta é o que nos move. Somos sujeitos desejantes e se atingirmos a plenitude, o desejo que é a "energia" da nossa psiquê cessa, então viramos "coisa" do mesmo jeito, através da morte.

Os caminhos do pensamento são vários. Às vezes dizem a mesma coisa de forma tão diferente que realmente parecem coisas diferentes. Tudo depende do sentido que se atribui, e em última instância, diria que de crença. Vivemos um mundo de representações sociais para Durkheim ou Moscovici, linguísticas para a psicanálise, fenomênicas para Kant, fenomenais para Husserl, ônticas para Heidegger, enfim, fechando com Sartre, nós damos sentido ao nosso mundo, somos hermeneutas do nosso mundo. Quando escolhemos, escolhemos não só pra gente como pro mundo, ao qual damos sentido.

Quando se tem estas idéias minimamente clarificadas para a consciência, é inevitável o angustiar-se. Às vezes dá vontade de desistir de tudo. A cada dia surge um pensamento novo. E você já não sabe mais em quem acreditar. Isso é difícil. Você se sentirá impelido a buscar mais autores, mas em momentos de fraqueza você sente como se fosse uma tarefa em vão. Principalmente se você vive em uma sociedade de consumo onde a todo instante lhe impõem a necessidade de um bom salário e um carro do ano. Não é que o filósofo não deva consumir e ter seu carro, mas é que carregar o peso da existência autenticamente é tão difícil que o indivíduo pode sim se render ao conforto e/ou ao hedonismo pós-moderno, abandonando seu ofício enquanto ser-no-mundo.

Os receios aumentam quando nos damos conta de que a realidade se expandiu. A era virtual é uma realidade (com o perdão da repetição e da antítese). Agora são muito mais elementos que temos de perceber e compreender. Temos que permanecer trafegando entre esses mundos que se refletem, mas ainda assim são diferentes. E para nos sentirmos pertencentes ao nosso tempo, temos que estar "conectados" com ambas as realidades o tempo inteiro.

Para finalizar, não é tão difícil notar que a tarefa filosófica aumentou, não somente pelos fatores elencados, mas até mesmo por outros que se relacionam com estes também, inclusive um que é bem mais fácil perceber: as pessoas não querem pensar. Aqueles que se interessam por estas que deveriam ser questões fundamentais na vida de cada um continuam sendo poucos.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Ditadura da saúde.


O homem sempre desejou ser eterno e a técnica hoje propicia uma qualidade de vida sem precedentes na história da humanidade. Mas que qualidade e que vida seriam essas? Quer dizer, qual o preço dessa busca pela fonte da juventude?

Com o dilúvio de informações do nosso tempo, as pessoas tem a necessidade de estarem conectadas sempre com as últimas novidades do que acontece no mundo. Por questões mesmo de sobrevivência, afinal o mercado de trabalho é dinâmico e seguiu o ritmo das mudanças ocorridas se tornando bem mais rígido.

Mais rígidos também se tornaram os padrões estéticos, pois aquela atriz magrinha e bonita que aparece na TV já deixou o segredo de sua "Boa Forma" em alguma revista ou site por aí. O bombadão da novela das oito que aparece semi-nu lembra aos homens todo dia daquela quase nem sempre discreta barriguinha de chopp (e às suas respectivas companheiras também).

Tem ainda a questão do envelhecimento. "Envelheça com saúde", "Conheça os milagres da dieta de grãos", "Os benefícios da ração humana". Todos os dias aparecem dicas de saúde em todos os veículos de informação e as pessoas neste afã de se tornarem jovens para sempre, se submetem a todo tipo de "tortura". Quando o desejo de prolongar a vida se torna mais importante que vivê-la, o vazio é inevitável.

Criou-se na atual sociedade uma verdadeira "ditadura da saúde". Os jovens que estão mais suscetíveis aos estímulos da nova era são a principal vitrine dessa pressão toda. É a juventude do exagero. Ou a menininha fica anorexa de tanto comer folha, ou o rapazote fica burro e doente de tanto anabolizante pra pelo menos parecer saudável. O importante é a forma independente do conteúdo. Temos também as drogas que estão chegando cada vez mais cedo na vida deles e em um nível de consumo cada vez mais alto.

A "ditadura da saúde" está diretamente vinculada às restrições e imposições que até agora só tem surtido efeito contrário. Algo para se refletir é o caso dos Estados Unidos na época em que foi proibida a comercialização e o consumo de álcool. Surgiu um verdadeiro mercado negro que rendeu muito dinheiro aos que praticavam este comércio então excuso e muita violência pra todo povo americano. A saída para o governo foi legalizar o consumo novamente para conter o problema. No Brasil, onde a ignorância e a corrupção predominam, está começando um movimento de proibição de tudo. Em muitas cidades os lugares não podem funcionar depois de determinado horário e não se pode mais fumar em lugar nenhum. Tudo isso com o intuito de diminuir uma violência que é consequência de diversos outros fatores que não a diversão noturna. Apesar de não ser muito adequado o palavreado científico, mais uma vez estão tentando atacar diretamente o problema em vez de suas causas.

E assim continuamos nossas vidinhas medíocres. Seguindo receitas de bolo de "como ser feliz" que surgem a todo instante, tornando-nos Barbie's e Ken's do modelo imposto, aderindo a um moralismo hipócrita e absurdo, fazendo cara feia pros fumantes no ponto de ônibus (onde praticamente não existe fumaça), indo em busca de ideais vendidos que nos deixam incapacitados de fazer qualquer juízo crítico, enfim, abrindo mão de nossas escolhas e consequentemente de nossa condição humana.

Então o "viver com qualidade" não é comer ração humana, nem precisa ser uma diária tentativa de suicídio. Só precisamos tentar ser conscientes de que nós damos sentido a nossa existência e essa responsabilidade ninguém nos tira, nem teria como. Então por mais que hajam dicas de um modelo de felicidade, devemos lançar um olhar a partir de nossa vivência do sentido que aquilo possa ou não fazer pra gente. Porque "...a vida é pra valer e não se engane não é uma só. Duas mesmo que é bom ninguém vai me dizer que tem sem provar muito bem provado com papel passado em cartório do céu e assinado embaixo: 'Deus', e com firma reconhecida", como dizia o poeta Vinícius de Moraes em seu Samba da Benção.

As determinações sempre estão aí, mas o que fazer com elas é escolha nossa.

sábado, 13 de março de 2010

Forever young...


Algumas vezes observamos indivíduos que parecem não querer assumir que ‘a geração que jurou ser jovem pra sempre chegou lá’. Sim, aquele seu vizinho chato que já rompeu a casa dos quarenta e todo sábado de manhã vai lavar seu carro numa espécie de ritual sagrado, com aquela música “dixcolada” nas alturas, seu óculos estilo surfista e aquela bermudinha sexy.

Alguns podem criticar afirmando que se trata apenas de um estilo de vida, e que é bom manter o espírito jovem, e que é justificável, etc. Mas a questão é que este fenômeno é manifestação de algo preocupante que tem acontecido com maior frequência, e especialmente em países desenvolvidos: os kidults (adultescência, no Brasil).

A necessidade cada vez mais crescente de qualificação na concorrência por um bom emprego, a “modernização” do trabalho, preconizada por teorias organizacionais e inevitável pela evolução tecnológica, que abrem possibilidades de diferentes estilos de vida e maior autonomia para os empregados, a descoberta de um mercado consumidor nostálgico pelos veículos de comunicação e pelas grandes indústrias, e, claro, os avanços da medicina que aumentaram muito a longevidade, talvez sejam os fatores que mais aparecem como possibilidade de causa. Mas até mesmo o movimento feminista e a revolução sexual contribuíram para o surgimento deste fenômeno.

Enfim, a questão não é dizer que o indivíduo não possa ter um estilo jovem, mas sim compreender que talvez este estilo diga além de uma vestimenta (ou ausência dela), consequentemente trazendo prejuízos sociais, tanto pro indivíduo quanto pra sociedade. Esta pessoa que não consegue sair da casa dos pais, que às vezes tem filho precocemente, que torra dinheiro e se obceca com academia e produtos de beleza, que se endivida, que não consegue ter uma relação afetiva estável, etc., não adquiriu responsabilidade e autonomia na sua vida.

Como serão seus filhos? Pesquisas realizadas aqui no Brasil e divulgadas em revistas de grande circulação apontam que há casos em que os papéis se invertem dentro de casa e o filho passa a ser o “careta” da história. Absurdo! Uma pessoa com 15 anos tendo que lidar com responsabilidades de uma de 30? Será que isso não traz nenhuma consequência para o desenvolvimento psicosocial dela? E nos casos onde não há esta inversão, o que acontece? Provavelmente a mera transmissão deste modelo.

‘A geração que jurou ser jovem pra sempre’ tem que tomar cuidado pra não ser irresponsável pra sempre.


Ps.: Inicialmente postado em www.javimelhores.wordpress.com. A autoria é minha. Fiquei com medo de passar março em branco. Falta de inspiração é coisa chata.