sábado, 23 de janeiro de 2010

Tragédia no Haiti: um olhar existencial.


Apesar de todos os avanços técnicos do homem, ninguém foi capaz de evitar que um terremoto de 7 pontos na escala Richter atingisse com violência o mais pobre país das Américas no dia 12 de janeiro.

Não se quer dizer, contudo, que o homem tenha poder de impedir uma catástrofe natural poderosa como essa. A questão é o que a tornou uma catástrofe tão “violenta”. Justamente foi o fato de ela ter causado tantas mortes, tantas perdas humanas. Se tivesse ocorrido algo assim em uma região desabitada no meio do oceano não haveria toda a comoção que tem surgido em volta desta tragédia. Nenhuma surpresa. O status de tragédia mesmo tem essa relação com a morte de tantas pessoas.

Isto implica dizer que o homem se compreende em sua condição de abertura de sentido. Ele é que pode dizer que um fato como este pode ser considerado trágico ou violento. Há um reconhecimento nas coisas e principalmente no outro. Somos ser-no-mundo, ou seja, somos a cada instante abrindo, desvelando possibilidades de ser. Mas também somos ser-com-outros. Relacionamos-nos com outros de uma forma diferente de como nos relacionamos com os objetos. Sentimos alegria, dor, comoção, compaixão, medo, vergonha. Isto nos move e faz com que nos sintamos humanos.

Grandes tragédias como esta no Haiti tem implicações para o mundo todo, mas com certeza muito mais para aqueles que vivenciaram tudo isso e puderam presenciar todo mundo que lhes era tão familiar, desabando em questão de minutos.

Em uma esfera macro podemos pensar que Heidegger estava certo em relação Sartre, ou seja, que as relações humanas são de cuidado, de preocupação com o outro. Que as pessoas podem se empenhar numa tarefa comum em sua existência e a enaltecerem. Abrindo mão de uma visão crítica a respeito da manipulação dos meios de informação, e até mesmo sobre a decadência em que as pessoas podem estar mergulhadas para não decidirem sobre si mesmas, é belo perceber como a maioria delas se comove com uma dor que “nem é sua”. Isto é ser-com, isto é preocupação, independente de como isso possa se afigurar como um desvio de seu poder-ser.

Quando se pensa na ajuda humanitária dos órgãos internacionais, sempre se tende a querer ver um motivo “por detrás”, seja político, econômico, etc. Mas se atos assim podem ter esse peso ideológico, são valorizados de alguma forma. São valorizados porque é próprio do homem em seu ser-com. Independente de interesses individuais que possam aparecer, atitudes como essa devem sim ser enaltecidas.

A Europa irá doar 400mi de euros para a reconstrução de Porto Príncipe. Há mobilização do mundo todo para devolver essas famílias ao cuidado. Mesmo após quase uma semana após a tragédia, a esperança de se ainda encontrarem pessoas vivas nos escombros, ainda existe. Soldados brasileiros que perderam amigos na tragédia continuam trabalhando, repórteres no meio da transmissão de notícias não controlam a comoção, haitianos cavam escombros com as mãos para ajudar pessoas soterradas, médicos improvisam hospitais no meio da rua, enfim, é nítido o impacto psicológico que uma catástrofe assim tem naqueles que tem a possibilidade de testemunhar tanta destruição. E, podem falar o que quiserem esses que vêem sempre a “metade vazia do copo”, isto é louvável.

Voltando para uma perspectiva micro, daqueles que perderam “seu mundo”, as implicações são desesperadoras. É inevitável não falar de como o fenômeno da angústia se mostra nesta situação.
Em Heidegger, a angústia é ontologicamente uma forma autêntica de assumir seu poder-ser mais próprio. É quando o indivíduo perde o mundo das entidades com o qual tem familiaridade e sai da decadência no impessoal, restando apenas nada e aquilo que não está em lugar nenhum. É uma forma de relacionar-se com a existência em sua crueza, é talvez o que possibilita aquilo que o Sartre chama de náusea.


Naquilo com que a angústia se angustia revela-se o “é nada e não está em lugar nenhum”. Fenomenalmente, a impertinência do nada e do lugar nenhum intramundanos significa que a angústia se angustia com o mundo como tal. A total insignificância que se anuncia no nada e no lugar nenhum não significa ausência de mundo. Significa que o ente intramundano em si mesmo tem tão pouca importância que, em razão dessa insignificância do intramundano, somente o mundo se impõe em sua mundaneidade. (Heidegger, Ser e Tempo, §40, pág. 253)


A angústia diferencia-se do medo pelo fato de este ser sempre voltado para um ente intramundano. Ou seja, ele é algo de ordem existenciária. As pessoas que estão vivenciando esta tragédia experimentam as duas coisas. A perda de “chão” à qual foram de repente lançadas, e que é possível perceber nas pessoas que vemos caminhando completamente sem rumo nos noticiários, e o medo do que pode ainda vir de ruim desta tragédia.

Neste ponto, Sartre pode ter razão em relação a Heidegger ao afirmar que a existência é conflituosa. Numa situação catastrófica como esta, o homem tende a se entregar e abrir mão de seus mais profundos valores. A questão é sobrevivência, e nem todos escolhem assumir a responsabilidade de seus atos quando se encontram nos escombros da vida. Já há peso demais a suportar.
Alguns apelam para a religião num esforço desesperado de ainda ver sentido em algo, outros decidem pela violência dos saques e dos roubos. Nem a possibilidade de fazer o funeral de seus familiares no quintal de casa, como é da tradição deles, eles tiveram. Veículos de notícia como o G1 a todo instante falam do aumento da violência no Haiti. Segundo ele a Cruz Vermelha diz que “...os incidentes crescem na mesma proporção que o ‘desespero’ dos sobreviventes do terremoto...”.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Difícil

Ah! A poesia...
Malditas linhas sem sentido,
Maldito ócio que angustia,
Maldito domingo,
Maldito carnaval,
Maldita euforia,
Maldito colorido,
Maldito brilho...
O que a gente não faz pra preencher um vazio!