segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Breve crítica ao modelo cartesiano e suas implicações à visão de homem sob a perspectiva fenomenológica

Ando meio sem insights, inspiração, idéias, etc. pra postar.
O texto seguinte foi feito com pressa numa tarde tempestuosa e estressante de uma sexta-feira, último dia de aula que tive antes das férias.
Quem quiser tiver coragem de ler, tenha isso em mente:

Durante a crise da Idade Média, a igreja perdeu seu domínio sobre o conhecimento. Esta perda de força da verdade divina está relacionada a diversos fatores históricos como as péssimas condições sociais vivida pelas pessoas em decorrência da disparidade entre os recursos econômicos e o crescimento populacional, além da opressão da igreja, somadas a outros fatores, que fizeram com que o homem voltasse o olhar para si mesmo e buscasse em si o conhecimento do mundo. 

Talvez o maior divisor de águas entre esse antigo sistema religioso e o advento da razão tenha sido René Descartes. O filósofo francês moderno, apesar de ainda ligado à idéia de um ser divino, inaugura um modelo de pensamento que sustenta até hoje a espistemologia na civilização ocidental em todas as áreas de conhecimento. Este modelo desenvolvido por ele dá um caráter universal à forma de perceber o mundo por proposições lógicas e racionais, ou seja, o homem, tido por ele como res congitans (substância pensante), só pode acessar o conhecimento verdadeiro do mundo através de proposições pautadas exclusivamente em juízos objetivos conduzidos pelo método.

Essa infalibilidade da razão dada na modernidade foi repensada posteriormente por muitos filósofos. Por exemplo, Henri Bérgson, ao falar sobre a vivência do indivíduo, de algo que é da experiência individual e escapa à razão. Tem-se também o Dilthey que enfoca outra forma de lidar com os fenômenos, através de uma compreensão, um entendimento, abrindo outra possibilidade para as ciências sociais que não fosse a explicação interpretativa que é o método das ciências da natureza. Enfim, Berkeley, Leibiniz, Kant, Hegel e Husserl. Este último como mentor da fenomenologia, portanto de maior relevância para esta problemática. 

E. Husserl, matemático e filósofo alemão, quis criar uma ciência de rigor que embasasse todo o conhecimento. De certa maneira retorna ao modelo cartesiano e vai buscar nele próprio, outra possibilidade de conhecimento para o homem. Ele utiliza o argumento do cogito para a criação do seu método de investigação: o método fenomenológico. Neste método, o indivíduo não irá duvidar do que conhece como no modelo cartesiano, mas sim, colocar “em suspensão” seus possíveis juízos impregnados de abstrações, ou seja, tentará perceber a realidade sem qualquer pressuposto ou pré-julgamento. Isto se torna o cerne de seu pensamento, pois Husserl acredita que se deve “voltar às coisas mesmas”. Ele queria justamente retirar toda a densidade que era conferida ao mundo pelos naturalistas, como se este fosse um objeto o qual nós jamais poderemos conhecer em sua essência de fato. 

Os naturalistas acreditam que existe uma natureza dada à priori em relação a nossa consciência e por esta crença cortam a relação existente entre consciência e mundo. Este segue sua suposta dinâmica natural independente da consciência, sendo a missão desta apenas buscar explicações para os movimentos naturais desse mundo. Husserl retoma de certa forma a idéia de Berkeley (esse est percipi) e considera o mundo como existente somente em relação a uma consciência, aproximando-se mais mesmo do conceito de consciência posicional de Brentano com quem teve muito contato. Não há uma evidência de que as coisas realmente existam no corte da relação com a consciência, pois esta é nossa única possibilidade de conhecer. 

Toda a densidade concedida ao objeto, todo este enfoque preconizado pela atitude natural, aliena nossa visão da essência do que aquele objeto de fato é, implicando que os naturalistas, na realidade, talvez não estivessem preocupados com a verdade, mas sim em buscar em relações causais uma forma de apreender o mundo em abstrações e juízos, para tentar dominá-lo. 

Este método naturalista foi erroneamente levado pras ciências humanas, acabando por tornar objeto algo que a razão não tem como dar conta que é a ação humana. Como conseqüência o agente dessas ações, o próprio homem, acabou tido como objeto, aquela coisa pensante da qual falava Descartes. Além disso, o homem é visto através de uma fragmentação de sua condição humana, que também é preconizada pelo método descartiano. 

Husserl vai tentar devolver esse homem à sua totalidade e percebê-lo como ele de fato é, em essência, através do método fenomenológico, que visa perceber o fenômeno como ele se apresenta à consciência. O homem será visto não mais somente pela via da razão como outrora, mas sim como um sujeito que dá significação ao mundo e, na realidade lhe confere existência. Um ser que tem algo de transcendental, algo que escapa às possibilidades de uma previsão de um modelo causal. Uma consciência singular que é sempre movimento (um transcender-se), dotada de subjetividade e que não tem como ser determinada por relações causais, pois é sempre possibilidade. Ele resgatará também o conceito de compreensão de Dilthey, pois este homem tem uma vivência que não pode ser explicada, mas sim, deve ser compreendida.

Este movimento da fenomenologia ainda não atingiu a potencialidade que deve ser atingida em nossa sociedade individualista. O homem ainda é visto como “coisa” quase em todas as áreas do conhecimento, e isso lhe retira seu caráter humano tentando torná-lo apenas mais uma engrenagem de um sistema, sem levar em consideração outros aspectos da totalidade de sua vida como seus sentimentos, seus medos, suas angustias, etc. Talvez em conseqüência, disso alguns estudos apontem a depressão como a doença do século XXI, pois as relações humanas estão prejudicadas por estarem submetidas ainda à noção coisificadora provocada pelo modelo racional.

3 comentários:

Mara disse...

Po Vinicius, muito bom, tu escreve mto massa, eu sei que tu não gosta de elogios, mas eu não pude deixar de elogiar. Acho que merecia ir pra um desses congressos de psicologia. PUBLICAAAAA =)

márcio disse...

Aula de filosofia grátis na internet pós vestibular? Interessante. Mas foram mesmo os alienigenas que fizeram as piramides? E aquela historia de que em IV ac já havia um projeto em vias de efetivação de uma telefonia móvel é só boato? O que husserl diria? è possivel?

Unknown disse...

Adorei... Os três últimos parágrafos estão maravilhosos!! Tu resumiste as cadeiras de Consciência em algumas linhas de forma simples e objetiva... Como disse Marina, PUBLICA² ! Luanny :)